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Amamentação e sexualidade

 

Uma visão antropológica pode contribuir para o entendimento da relação entre amamentação e sexualidade na medida em que várias culturas possuem crenças e normas a respeito desta relação.

 

O leite, entre outras substâncias corporais, é investido de um forte aspecto simbólico em diferentes culturas, e a amamentação ultrapassa, de forma evidente, o quadro biológico e nutricional. Desta forma, a vida conjugal é geralmente alterada diante de cuidados e preocupações relacionadas à amamentação.

 

É interessante notar as interferências histórico-culturais que perpassam a amamentação. Nos séculos XVII e XVIII, na Europa, os médicos prescreviam a abstinência sexual durante este período. Essa prescrição, segundo Elisabeth Badinter, seria um dos motivos da prática de contratar amas-de-leite mercenárias. O Brasil também conheceu a prática da utilização de amas-de-leite na alimentação dos bebês, prática que foi trazida de Portugal durante a colonização.

 

Na cultura ocidental o seio foi relacionado durante muito tempo com a função alimentar, sendo muito recente a erotização dessa parte do corpo feminino. Na sociedade ocidental moderna o seio é percebido primeiro e antes de tudo como um órgão sexual, de grande apelo erótico. Mas a utilização dos seios na sua função biológica da amamentação não está completamente desligada da possibilidade de uma experiência sensual.

 

Nas palavras do psicanalista francês Bernard This, “Aquelas mulheres que amamentaram seus filhos com prazer sabem que uma mulher pode chegar ao orgasmo quando a criança mama. “Mas, silêncio, os homens não querem saber! O prazer deve aparecer apenas nos braços do amante?”

 

Um relato:

“É difícil – diz ela – de explicar o que se passou comigo, eu senti uma comoção que eu só posso comparar  àquela que é produzida por uma centelha elétrica; tão intensa que ela, ela me ergueu e me fez me aproximar mais do meu filho, ela logo se espalhou por todo o meu corpo produzindo um calor delicioso, ao qual sucedeu a calma de uma volúpia inexprimível, quando meu filho abocanhou meu mamilo e fez   sair  o  licor  que a natureza e o meu carinho  lhe destinavam.” Uma descrição de prazer semelhante a de um orgasmo.

 

As representações específicas sobre o seio têm um papel importante na sexualidade durante o período da amamentação. O seio maternal e o seio erótico podem ou não ocupar o mesmo espaço físico, engendrando diferentes possibilidades de experiências de acordo com a maneira como cada indivíduo resolve essa aparente dicotomia.

 

Segundo o conhecimento científico no campo da endocrinologia, os hormônios estrogênios favorecem a receptividade sexual, enquanto a prolactina, necessária à produção do leite, a inibe. Essas questões são certamente importantes e devem ser levadas em conta; contudo, elas não explicam a totalidade do fenômeno.

 

“Lúcia, uma arquiteta brasileira de 44 anos, afirma: Fisicamente, é suficiente para mim ficar com minha filha. É diferente do [prazer] sexual, mas é uma energia física.”

 

Sobre a baixa de libido, pode trazer importantes conseqüências para a relação do casal, e algumas mulheres chegam mesmo a radicalizar, dizendo que seria normal que o homem fosse buscar sua satisfação sexual fora de casa para que a mãe possa ficar em paz com seu bebê e chamando esse arranjo de ‘norma biológica’.

 

Os homens dizem, em geral: “o peito é sagrado” ou “é diferente, quando a mulher está amamentando, não dá pra olhar praquilo ali e ter desejo, né? A mulher ali, com o bebê… o homem que pensa assim é um tarado!”.

 

Já as mulheres relatam: “ele não toca não, ele respeita”. Isso traz subjacente duas concepções características da tradição judaico-cristã: a idéia da maternidade sagrada e de que o seio maternal torna-se intocável, seu valor erótico está ligado à ideia do sexo como algo impuro e desrespeitoso.

 

Muitas mulheres se encontram, dessa forma, presas em um conflito entre seu papel de ‘boa mãe’ e de ‘boa mulher’. Existem variadas atitudes e crenças do casal em relação ao dualismo seio materno/seio erótico durante a amamentação que permitem pensar que a sexualidade do casal pode ser um fator importante na determinação da duração do aleitamento materno. Certas mulheres vivem essa situação como um verdadeiro problema e se sentem inquietas diante das sensações de prazer que experimentam.

 

Esta relação entre amamentação e sexualidade é importante em diversas sociedades dando origem a tabus e costumes os mais variados. A impossibilidade de que os diferentes papéis, a ‘mãe’ e a ‘mulher’, convivam no mesmo corpo, seja na percepção do homem, seja na da própria mulher, pode gerar uma situação conflituosa para o casal, com repercussões na sexualidade. Pode ainda repercutir na relação com o bebê e, em especial, na duração do aleitamento materno.

 

Geralmente, muitas mulheres apresentam dúvidas e receios perante a diversidade enorme de experiências que ocorrem durante a amamentação, a informação e o diálogo entre o casal podem esclarecer e diminuir a ansiedade e os problemas vivenciados neste momento.

 

 Texto com base no artigo: Amamentação e sexualidade de Gilza Sandre-Pereira, 2003.

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